Avançar para o conteúdo principal

Cidade Luz - Machico - Madeira






Francisco Álvares de Nóbrega (1773-1806),O "Camões Pequeno" 🏝️ Ilha da Madeira viveu entre a sua terra-natal, o Funchal e Lisboa.


Poeta português mais conhecido pela antonomásia "Camões Pequeno", nasceu a 30 de novembro de 1773, na Rua dos Moinhos, em Machico. Trabalhando desde os nove anos no comércio de Funchal, iniciou-se na carreira literária, tornando-se conhecido por suas composições poéticas. É caracterizado como artista mordaz, crítico, à frente do seu tempo; livre-pensador "que não hesitava em expressar, em rima, os seus pontos de vista muitas vezes contrários à moral vigente". Após seu trabalho no comércio, entrou para o seminário daquela cidade, de onde foi excluído como suspeito de pertencer à maçonaria, sendo preso por ordem do bispo.


Mandado para Lisboa, ali também foi encarcerado, recuperando a liberdade somente com a intervenção de um alto (e anônimo) funcionário estrangeiro que admirava sua poesia e mandou publicar dois volumes com o nome de Rimas.


Doente, pobre e vendo sua obra constantemente rejeitada pelos editores e pela crítica, Francisco Álvarez de Nóbrega, agora na casa do amigo Manuel José Moreira Pinto Baptista, comete suicídio ingerindo uma dose excessiva de láudano. Boa parte de sua obra foi simplesmente destruída pela Inquisição, sendo escassas as suas poesias que tenham persistido até os nossos dias.


Mais de meio século depois, seu sobrinho Januário Justiniano de Nóbrega (1824 - 1866), também poeta e autor de um trabalho dedicado a dona Amélia Beauharnais de Leuchtenberg (1812 - 1873), viúva de Dom Pedro I (1798 - 1834), passando pelas mesmas vicissitudes do tio, suicidou-se com um tiro na cabeça.




Algumas poesias de Francisco Álvares de Nóbrega

Não lastimes, Baptista, a minha sorte


Não lastimes, Baptista, a minha sorte,
Nenhum abalo o dano meu te faça;
Batem em mim os golpes da desgraça,
Bem como as ondas num rochedo forte.

Ver-me-às tranquilo sujeitar ao corte.
Que da vida a cadeia desenlaça. (…)

Os homens, com tormento agudo e grave,
Podem fazer que desta estância abjecta
Meu sangue, espadanando, os tetos lave;

Podem no coração cravar-me a seta,
Porém não extorquir-me a paz suave,
Com que o Justo transpõe da vida a meta.

Excerto de um poema dedicado ao amigo, e protector, Manuel José Moreira Pinto Baptista.

*

Príncipe Excelso, em lúgubre masmorra



Príncipe Excelso, em lúgubre masmorra
A que jamais dá luz do Sol o facho,
Geme ao som do grilhão infame e baixo,
Sem ter piedosa mão, que me socorra.

Por mais que pense e que discorra,
Em minha vida um crime só não acho,
Seja qual meu delicto, o meu despacho
Que me soltem, mandai, ou que enfim morra.

Quem culpa cometeu, é bem que pague,
Em cadeia fatal, que o pé lhe oprime
Com lágrimas de dor embora alague.

Porém não consintais que se lastime
Na mesma estância, e em confusão se esmague
A singela inocência a par do crime.

Poema dedicado ao Regente D. João VI, Príncipe do Brasil, onde o poeta proclama a sua inocência.

*

Um mortal sem valia, um desgraçado


Um mortal sem valia, um desgraçado,
Que em pobre leito há meses geme aflito,
Que traz na própria face o mal escrito,
Até dos mesmos seus abandonados,

De agudíssimas dores volteado.
Aos céus mandando inconsável grito,
Que desordem, que crime, que delito
Cometer poderia, ou que atentado?

Juízo dos mortais, quanto te iludes!
A menor sombra tuas vozes borra,
Tu confundes os vícios c’o virtudes!

E sentirei em fúnebre masmorra
De parca desumana os golpes rudes,
Sem ter piedosa mão que me socorra?

Poema relatando o seu segundo encarceramento na Cadeia do Limoeiro.

*

Entre desgosto e desgosto...

(…) Entre desgosto e desgosto
Caminho ao meu triste fim,
Como se já para mim
Da vida o Sol fora posto;
As manchas que tem meu rosto,
Da morte são já matizes,
Meu mal tem fundas raízes.
E quer a acerba desgraça
Que eu brilhante época faça
No livro dos infelizes.

Quem deste fatal volume
Quizer combinar os factos,
Em mim os tem mais exactos,
Mais fieis do que presume;
A minha vida resume
Todo o rigor d’impios fados:
Enfim se forem lembrados
Nos tempos mais horrorosos
Se julgarão fabulosos
Os meus dias desgraçados.


Excerto de um poema em que o poeta lamenta o abandono a que foi votado por parte dos seus amigos, tementes do contágio pela doença.

*

Sisudo Ornelas meu, em cujos lares


Sisudo Ornelas meu, em cujos lares
A tenra flor dos anos meus abriu,
Flor que, ao depois, do tempo a mão cobriu
De hórrido luto, e de fatais pesares.

Transpondo o espaço de alongados ares,
Leve sinal de gratidão te enviu,
Da minha história o entre-cortado fio
Verás, quando este livro folheares.

Ao ler os duros males que lastimo,
Não afogues em mar de novo pranto
Planta nutrida ao teu afago e mimo.

Vingam-me as musas de infortúnio tanto;
Afugento a Desgraça, a dor suprimo
Quando ao toque da Lyra a voz levanto.


Poema dedicado a Marcos de Ornelas, seu protector.


*

Preso à rija cadeia, onde inocente


Preso à rija cadeia, onde inocente
Suporto da calúnia o férreo açoite,
Sem achar outro arrimo, a que me acoite,
Bradava pela morte em pranto ardente. (…)

Quem me diz que entre os ferros da violência,
A cujo peso o meu valor quebranto,
Pode a dor sufocar, conter o pranto,
O que conserva ilesa a consciência;

Ou dos trabalhos tem pouca experiência,
Ou finge esforço inexpugnável, santo;
O delinquente em ferros geme tanto,
Como o herói da cândida inocência. (…)

Como está este dia tão soturno!
Pavoroso negrume o ar enlucta,
Naquele galho a regougar se escuta,
Crendo que é noite, o carpidor nocturno.(…)

O encrespado mar, de negro tinto,
Ostenta em sua túmida voragem
Querer o Orbe aniquilar faminto.

Sucedeu Bóreas torvo à branda aragem;
Da viva inquietação, que n´alma sinto
Ó dia de pavor, tu és a imagem!

Excertos de vários poemas descrevendo o ambiente do cárcere.


Mais rimas deste grande poeta em: http://pt.wikisource.org/wiki/Rimas_(Francisco_%C3%81lvares_de_N%C3%B3brega)

Comentários